terça-feira, 25 de setembro de 2007

A Maledicência



Maledicência
18:44 Quarta-feira, 12 de Set de 2007- Jornal Expresso



Desde o tempo dos Gregos e dos Romanos, existiu sempre a maledicência - acto de dizer mal - que em muitas situações é muito salutar, até porque faz repensar actos incorrectos praticados ou até desvios de trajectória péviamente definidas - claro que desde que não se entre pela baixeza, por actos pessoais, que muitos ainda gostam de usar - e até serve a todos e individualamente como uma certa catarse.
Trata-se de algo fácil de fazer, por vezes até demasiado facilitado, mas desde que dentro dos tais limites adequados, trata-se de algo, como todos sentimos, cada vez mais necessário. E como não é só hoje que existe uma certa cultura de maledicência, dado sempre ter existido. Quem não gosta de criticar o seu vizinho do lado, por deixar sempre a porta aberta, por estacionar mal a viatura, por falar alto nos corredores? quem não gosta de criticar o chefe pela forma agressiva como muitas vezes se dirige ao subordinado, por muitas vezes não querer aceitar opiniões, só a sua valer? e por aí adiante, se bem que em regimes ditatoriais, a maledicência seja muitíssimo limitada, e com o risco de atentado à própria sobrevivência de quem se atreve a fazê-lo.
Em democracia e dentros de limites aceitáveis, dizer mal, trata-se de algo inerente ao próprio sistema, e que contrabalança certas tendências, porventura menos convenientes ou piores aceites, por quem em determinada altura tem mais poder. Sendo que, com a salutar rotatividade de quem vai detendo o dito poder, a maledicência faz também essa rotatividade, dado que como é evidente, por norma diz-se mal de quem está mais acima, de quem tem mais poder, de quem tem mais visilbilidade e não o inverso, sendo evidente que muito raramente, quem quer que seja, gosta que digam mal dos seus actos, das suas frases, dos seus raciocínios, é humano que assim seja.
Os menos jovens, ainda nos lembramos, que antes do 25 de Abril de 1974, havia a censura aberta e declarada, com a figura do censor, de lápis vermelho, que a nível de imprensa escrita cortava todas as notícias que dissessem mal do regime instituído, e que muitas vezes nem percebendo bem o que faziam deixava passar notícias que deveriam ser cortadas, e outras eram sem motivo sancionadas, e a nivel de rádio e televisão a norma era exactamente a mesma. Supõe-se que isso são tempos idos, numa altura, em que muitos, não só no nosso país, mas também pelo mundo foram, falam em democracia musculada, que não será de modo algum ditadura, mas que imporá lentamente alguma regras de conduta a situações abertas de mal dizer, o que será sempre negativo.
Sabemos que a liberdade, por vezes já vai sendo uma pouco "diminuída", quer porque se tem receio - e muitas vezes justificado - de ataques que possam colocar em causa a sobrevivência de todos nós, como já aconteceu nos EUA, no Reino Unido e em Espanha, o que implicitamente faz com que sejamos necessáriamente todos mais vigiados, mais controlados, quer com camaras de vigilância à descrição, como é o caso de Londres, quer com escutas telefónicas, por vezes demasiado abrangentes, mas isto pode ser considerado até como fruto da globalização da própria sociedadade da informação e do conhecimento.
Quanto à maledicência quase diária, e que existe em todos os países civilizados da Europa e não só, desde que não exagerada é mais que necessária, sendo evidente que quem o faz, deve estar sempre bem fundamentado, e deve ter sempre hipotese, se necessário de poder provar tudo o que critica, porque dizer mal só por belo prazer, nem pensar, porque trata-se não de liberdade de pensamento e de expressão, mas de falta de bom senso. Assim, temos qe assumir, que este dizer mal, que por vezes a tantos ofende, já vem de trás, tem milhares de anos, e se não nos colocarem uma mordaça, ou em situações de total desconforto, e dentro dos tais limites de bom senso e de respeito, deverá continuar a existir, e ninguém se pode ofender por tal acontecer, como já referido estamos a falar de assuntos não de caracter pessoal, não intímos, que só aos próprios e suas famílias dirá respeito, como p.e. o caso de Bill Clinton e da sua estagíária, que em nada afectou o seu bom desempenho como presidente americano, veja-se o que hoje faz no governo do actual mais influente país do mundo de tão desastroso Bush, e supostamente não tem estagiárias, com que se comporte de forma que a opinião pública assuma de incorrecta, sendo que o que interessa é que a pessoa exerça devidamente o seu cargo, evidentemente com correcção e sem depravação, e isso foi o que soube bem fazer Clinton.
Pelo que, a maledicência, servindo de catarse, de desabafo, de forma de apontar o que se assume como mal feito ou menos bem feito deve ser algo que sempre tem que existir, não tenhamos quaisquer dúvidas. Poderemos em certas alturas, até referir alguns aspectos de bem dizer, quando os de mal dizer não se sobrepõe áqueles, o que porventura poderá não estar a acontecer neste momento, mas não tenhamos dúvidas, que temos também alguns motivos para bem dizer, se bem que prevalecem os outros. Pelo que, dentro das regras de boa conduta, de respeito interpessoal, temos que ter sempre o direito, fundamentado, de mal dizer, de discordar, de opinar, dado que muitas vezes críticas, essencialmente construtivas, são necessárias, e até ajudam a quem está muito obcecado com determinado percurso, que não consegue vislumbrar outro, que até pode ser melhor causando menos danos colaterais.
Esperemos, poder continuar a usar a maledicência, como forma de sabermos qual a diferença de viver em democracia ou em ditadura, até de certa forma como um acto de de cidadania, de nos interessarmos pelo que nos afecta directa ou indirectamente, como meio de dar sugestões, porque ao dizermos mal de algo, temos ou devemos sugerir uma alternativa, se não entramos única e simplesmente num jogo disparatado e desnecessário de palavras ocas e sem sentido.

A luta final de Che


Nas selvas da Bolívia, o revolucionário argentino de alma cubana morreu isolado, doente, faminto e maltrapilho. Mas fiel aos princípios revolucionários em que acreditava.

á era tarde da noite de 3 de novembro de 1966 quando o diplomata Adolfo Mena González, de 38 anos, calvo e barrigudo, chegou ao aeroporto de La Paz, na Bolívia. Cansado da longa viagem - havia passado por Moscou, Praga, Viena, Frankfurt, Paris, Madri e São Paulo, como mostrava seu passaporte uruguaio -, declarou aos fiscais da imigração que pretendia levantar dados para a Organização dos Estados Americanos. Liberado, seguiu para o centro da capital, onde se hospedou numa suíte do Hotel Copacabana. Ali conheceu os irmãos bolivianos Guido e Roberto Peredo e com eles partiu de avião para Cochabamba, a 800 quilômetros de La Paz. Depois de mais três dias de viagem de jipe, chegou às margens do rio Ñancahuazú. Em 7 de novembro, escreveu em seu diário: "Hoje começa uma nova etapa". Só então revelou sua verdadeira identidade: González era, na verdade, o guerrilheiro Ernesto Che Guevara.Depois de ter levado a Revolução Cubana à vitória em 1959, ao lado de Fidel e Raúl Castro, Che se dedicara a espalhar ideais revolucionários pelo mundo. "Ele esteve no Congo em 1964, onde experimentou um terrível revés, e, de volta a Cuba, entrou na clandestinidade para trabalhar secretamente em seus novos planos: criar na América Latina um foco guerrilheiro que pudesse convulsionar todo o continente", diz o historiador mexicano Jorge Castañeda em Che Guevara - A Vida em Vermelho. "Na época, a América Latina parecia um grande tabuleiro da Guerra Fria, onde ondas de inspiração comunista esbarravam em ditaduras militares apoiadas pelos Estados Unidos."
A Bolívia não fugia à regra. Em 1964, depois de duas décadas de instabilidade (em que sindicatos, Exército e latifundiários se digladiaram pelo poder), um golpe pôs no governo o general René Barrientos. A Bolívia se tornou, então, um notório aliado dos Estados Unidos - naquela época, em termos de ajuda militar americana, o país só perdia para Israel. Era a nação mais pobre da América depois do Haiti. Repressão, pobreza, presença imperialista: segundo as concepções políticas de Che, a Bolívia era perfeita para uma nova vitória revolucionária. Para colocar a teoria
em prática, entretanto, era preciso recrutar uma equipe. Em julho de 1966, enquanto Che permanecia incógnito, Raúl Castro, comandante das Forças Armadas de Cuba, convocou alguns veteranos da Revolução Cubana. O capitão Harry Villegas Tamayo, o Pombo, estava presente e relembrou a cena em 2006, numa entrevista à rrevista chilena Punto Final. "Raúl disse que havíamos sido chamados para integrar uma Brigada Internacional de Combatentes pela Liberdade dos Povos", afirmou. "A resposta foi um unânime 'eu vou!'" A tropa de elite passou por três meses de treinamento. Depois, todos seguiram por caminhos diferentes para a América do Sul. Já Che precisava de um bom disfarce para conseguir chegar à Bolívia sem ser notado. Cortou o cabelo e a barba, adotou óculos de lentes grossas e colocou uma prótese dentária que mudou sua fisionomia e sua voz. No fim de outubro, visitou sua família pela última vez em Havana. Jantou com as filhas, apresentado a elas como "tio Ramón". O disfarce funcionou - as meninas só saberiam que aquele era seu pai depois de receber a notícia de sua morte.
Bem-vindo à selvaA região do rio Ñancahuazú é coberta por uma mata densa, cortada por córregos e mangues. De repente, erguem-se elevadas montanhas ou abrem-se crateras e desfiladeiros, chamados na região de quebradas. Foi às margens das águas barrentas do Ñancahuazú que Che encontrou pela primeira vez sua tropa, instalada num sítio que haviam comprado na região para servir de disfarce temporário. Eram apenas 13 homens, entre veteranos cubanos e jovens bolivianos.


Em novembro, Che inspecionou o primeiro acampamento na selva - duas cabanas sobre o chão barrento. No início de dezembro, o líder anotou em seu diário (que depois seria publicado como Diário da Guerrilha Boliviana): "Não tenho os homens e as armas que esperava". Che se referia à falta de ajuda do Partido Comunista Boliviano. Seu líder, Mário Monje, insistia em ter a palavra final sobre a guerrilha. Che não aceitou, e os dois cortaram relações. A briga era indesejável, mas não comprometia a estratégia de Che. O apoio de partidos e sindicatos poderia ser obtido à medida que avançassem as conquistas dos guerrilheiros. A referência, é claro, era a Revolução Cubana - que quando começou, no fim de 1956, tinha apenas 12 homens isolados no meio do mato (incluindo o próprio Che). Todo o discurso político, porém, parecia muito distante naquela manhã de janeiro de 1967, em que a selva de Ñancahuazú afundava sob as chuvas de um verão amazônico.Foi quando os guerrilheiros liderados por Che deram os primeiros passos de sua quimera revolucionária. Já eram 27 homens que, em expedições diárias, se familiarizavam com o território. A fase de "implementação e infra-estrutura" durou quase dois meses. Numa área de cerca de 140 quilômetros quadrados, estabeleceram postos de observação e abriram covas para estocar remédios, alimentos, armas e equipamentos de comunicação. "Abrir trilhas e desenhar rotas para deslocamento e defesa não parecia uma missão perigosa, nem revolucionária, mas era cumprida com dedicação absoluta e disposição militar", lembra Dariel Benigno Ramirez, um dos veteranos da guerrilha, em Memorias de un Soldado Cubano (inédito em português).
Surra no Exército"O primeiro estágio está terminado. Os homens chegaram algo cansados, mas de modo geral conduziram-se bem", anotou Che em 1º de fevereiro. O próximo passo seria treinar os combatentes para a sobrevivência na selva. Che, então, montou três grupos para uma expedição, prevista para durar 15 dias. No acampamento ficaram apenas quatro combatentes. "A marcha era a principal atividade. Che, exigente com a disciplina, fazia o grupo caminhar em silêncio, mantendo uma distância de 20 metros entre um e outro", relatou o capitão Villegas. Andar uma dezena de quilômetros sob chuva, em trilhas enlameadas, podia levar o dia todo. Quando o grupo de Che tentou atravessar o rio Grande, o boliviano Benjamin Coronado Córdoba foi levado pela correnteza e morreu afogado. A primeira baixa da guerrilha viera antes do primeiro tiro ser disparado.
A volta foi ainda mais cansativa - a expedição já havia tomado quase um mês. Desde a chegada à Bolívia, Che tinha perdido 20 quilos. Sua barba voltara e ele sofria com ataques de asma, dores nas mãos e pés inchados. No acampamento, sem notícias do resto do grupo, Vicente Rocabado e Pastor Barrera desertaram em 11 de março. A caminho da vila de Camiri, tentaram vender um fuzil e foram denunciados. Presos, falaram da guerrilha. E disseram que o líder era Che Guevara.
As forças armadas bolivianas foram colocadas em alerta. Em março, patrulhas saíram de Camiri para investigar a região. No dia 23, cerca de 40 militares estavam na margem direita do Ñancahuazú, carregando armamento pesado e avançando devagar. Com a água batendo na cintura, os soldados tentavam atravessar o rio quando, por volta das 8h30, um tiro acertou o último homem da retaguarda. Após o estampido seco do fuzil, a selva cuspiu rajadas de metralhadora. Os soldados não viram quem os atingia. A ação, feita por sete guerrilheiros, deixou sete militares mortos, quatro feridos e 14 capturados. Os prisioneiros foram levados ao acampamento da guerrilha, onde receberam medicação e alimento. No dia seguinte foram soltos - aliviados de três morteiros de 60 milímetros, 16 pistolas Mauser, três submetralhadoras Uzi, dois rifles BZ, dois rádios, duas mulas, um cavalo e alguns pares de botas. "Os soldados em serviço militar, mal treinados e mal armados, quando não foram simplesmente afugentados, sofreram fragorosas derrotas para a guerrilha que parecia, nos dois primeiros meses de conflito, invencível", afirma o jornalista americano Jon Lee Anderson em Che Guevara - Uma Biografia. Em 10 de abril, um grupo de cerca de 150 soldados apanhou de uma dúzia de guerrilheiros e acabou com dez mortos e 30 prisioneiros. A guerrilha sofreu apenas uma baixa: o veterano capitão Suarez Gayol, ex-ministro da Indústria do Açúcar em Cuba.
Alarmado, o governo boliviano buscou ajuda nos Estados Unidos e nos países vizinhos. De Argentina e Peru e, em menor escala, do Brasil recebeu apoio logístico, equipamentos e informações. Do norte, recebeu mais. "O governo norte-americano promoveu um programa de treinamento para ações de contraguerrilha e forneceu armas automáticas relativamente modernas e outros equipamentos ao Exército boliviano", diz um relatório do Departamento de Estado americano de maio de 1967. Naquele mês, quatro oficiais e 12 fuzileiros navais chegaram à Bolívia para treinar 600 soldados.
Outro documento, de 18 de maio, mostra que os americanos estavam preocupados com o eventual apoio popular aos rebeldes: "Entre eles, há médicos que tentam tratar das crianças em lugarejos destituídos de qualquer outro tipo de assistência".
Metade a menosA presença dos militares dificultava o contato da guerrilha com La Paz. Lá, a argentina Tamara Bunke mantinha um esquema de apoio aos homens de Che - era a "rede urbana". Boa parte da comunicação com a capital era feita pelo filósofo francês Regis Debray (amigo e mensageiro de Fidel) e pelo artista argentino Ciro Roberto Bustos, que costumavam visitar os guerrilheiros. Em abril, com o Exército de prontidão, Debray e Bustos não conseguiram voltar a La Paz. guiam voltar a La Paz.Por causa disso, no dia 17, Che tomou uma decisão que selaria o destino de todos: dividiu a guerrilha em dois grupos, um de avanço e outro de espera. Liderando o primeiro, Che tentaria ocupar o povoado de Muyupampa para, de lá, mandar os dois mensageiros a La Paz. Já a tropa de espera, sob o comando de Joaquín (Juan Vitalio Nuñez, membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba), aguardaria perto do povoado de Bella Vista.
Che deveria voltar em três dias. Ao se aproximar de Muyupampa, a tropa de avanço encontrou o jornalista nglês Tom Roth, que insistia em fazer uma entrevista. Apesar do risco, Che aceitou. Em troca, Roth deveria levar Debray e Bustos em seu carro até Camiri, a cerca de 300 quilômetros dali. Esforço inútil. Em 20 de abril, Debray e Bustos foram presos.
Após um mês de tortura, o francês acabou confirmando a presença de Che na selva. Já Bustos colaborou desde o primeiro dia, dando preciosas informações e até desenhando o rosto dos guerrilheiros. Em 25 de abril, o grupo avançado foi atacado pelo Exército. Che anotou: "Um dia negro". Referia-se à morte de Eliseo Reyes, que havia combatido a seu lado em Cuba. Seguiu-se uma longa retirada pelo norte, na direção oposta ao ponto de encontro com Joaquín. No dia 14 de junho, Che questionou até quando a idade permitiria que ele continuasse a ser guerrilheiro. "Por enquanto, ainda estou inteiro", escreveu. Era seu aniversário de 39 anos. Em agosto, Joaquín resolveu sair em busca de Che. Começou a busca na casa de Honorato Rojas, camponês que já havia servido de guia para a guerrilha. Depois de mais de 20 dias andando, o grupo acampou perto da casa de Honorato, em Vado del Yeso. Ao amanhecer de 30 de agosto, Joaquín enviou homens até lá para pedir comida. Honorato prometeu algo para o dia seguinte. Enquanto isso, mandou o filho alertar o Exército. Às 16h do dia 31, Joaquín apareceu e pagou a Honorato pela sopa de milho e pelos pães. Na volta, perto de um rio, os 16 guerrilheiros foram surpreendidos por tiros vindos das árvores. Dez morreram na hora, incluindo Joaquín. Longe dali, sem saber de nada, Che escreveu que o mês de agosto fora "o pior desde o início da guerrilha". Mas, esperançoso como sempre, considerou que o Exército não tinha aumentado "nem sua eficácia nem sua iniciativa". Estava errado.No início de setembro, Che foi em busca de Joaquín. Assim como o companheiro, decidiu ir procurar na casa de Honorato. Durante dias de caminhada margeando o rio Grande, ouviram pelo rádio que os colegas haviam sido emboscados. No início, Che duvidou. Mas a precisão das informações o fez aceitar o fato. As notícias diziam também que a rede urbana em La Paz tinha sido desbaratada.
Che percebeu que seus homens eram tudo o que lhe restava e, portanto, o único foco do Exército seria pegá-los. Estava certo. O grupo mudou de rumo, em direção aos vilarejos de Pucará e La Higuera. Esperavam recrutar gente para a luta e conseguir comida. Em seu diário, Che anotou as dificuldades alimentares daqueles dias: "Urbano [codinome do cubano Leonardo Tamayo Nunes] matou um cavalo (...). Ao meio-dia tomamos seu sangue. De noite, assamos a cabeça e eu comi os olhos e o cérebro. Depois, sopa de frango."
No dia 26 de setembro, às 3h da madrugada, a marcha recomeçou. Perto de La Higuera, Roberto Peredo caiu morto, atingido por um disparo. Seguiu-se um tiroteio. O saldo foi trágico: três mortos, dois feridos e duas deserções. Che percebeu que o Exército conhecia sua posição e que uma nova emboscada seria questão de tempo. Em Vallegrande, maior cidade da região, estava o quartel da unidade militar treinada para combater a guerrilha: o Segundo Batalhão de Rangers. Mais de 2 mil militares estavam no encalço de Che.Apenas um homemEm contraste com a selva que a guerrilha havia enfrentado durante meses, a região próxima a La Higuera tem mata baixa e vegetação rala. Lá, na manhã de 7 de outubro, Che e seus 16 homens encontraram uma velha que caminhava com sua filha. Temendo a delação, os guerrilheiros ofereceram à mulher 50 pesos pelo seu silêncio.
A pobre senhora recebeu o dinheiro. E, assim que cruzou com militares, detalhou a posição exata dos barbudos. Na madrugada do dia 8, o Exército bloqueou todas as rotas de fuga. Voltando de uma inspeção, dois homens de Che avistaram dezenas de soldados no alto do desfiladeiro. O grupo estava encurralado no fundo da quebrada de Yuro: uma garganta de 300 metros de comprimento e menos de 50 metros de largura. Che decidiu esperar a noite para tentar furar o cerco. A silenciosa tensão foi rompida por volta de 13h30, quando o Exército abriu fogo contra os guerrilheiros. Quatro deles caíram mortos. No tiroteio, Che foi atingido e não podia mais andar sozinho. Carregado pelo boliviano Simeón Cuba, ele permaneceu disparando até que um tiro arrancou a carabina de suas mãos. Che e Willy acabaram cercados e rendidos por militares bolivianos. Segundo o relato de um deles, o sargento Bernardino Huanca, o revolucionário teria lhe dito: "Não atire. Eu sou Che Guevara. Valho mais para você vivo do que morto". Dos homens de Che, dez escaparam da emboscada. Metade deles seria morta nos próximos dias. Apenas cinco sairiam das montanhas com vida (os bolivianos Guido Peredo e David Veizaga voltariam à luta armada e acabariam mortos em La Paz, em 1969. Apenas os cubanos Benigno, Urbano e Villegas ainda estão vivos). Che, Willy e o peruano Juan Pablo Chang, que também havia sido preso na quebrada do Yuro, foram levados a uma escola em La Higuera. Lá, Che foi interrogado. No dia seguinte, perto das 13h, Willy e Chang foram executados. Pouco depois, naquele calorento 9 outubro de 1967, sentado numa sala com chão de terra, Che foi assassinado pelo tenente Mario Terán com uma rajada de fuzil. Para evitar sinais de execução, não foram dados tiros na nuca ou na cabeça.
Celso Miranda e Giovana Sanchez


REGIMENTO DE CAVALARIA 3


REGIMENTO DE CAVALARIA 3 - Trezentos anos de hostória

Trezentos anos! 3600 meses. Quinze mil e seiscentas semanas. Um total que vai além dos cento e nove mil e quinhentos dias, de vida de uma Unidade militar portuguesa cujo percurso histórico se entrelaça e confunde na História Pátria.

A sala de visitas de Estremoz, o Rossio, razoavelmente emoldurado pela população civil, recebeu as Forças em Parada, comandadas pelo tenente-coronel Paulo Geada, 2º comandante do RC3, constituídas pela Banda Militar de Évora, bloco de Estandartes e dois grupos de Cavalaria (o primeiro, sob comando do tenente-coronel Abel Matroca, Esquadrão de Comando e Serviços com um pelotão orgânico, um pelotão da Unidade de Aviação Ligeira do Exército e Esquadrão de Reconhecimento da Brigada de Reacção Rápida a dois pelotões orgânicos; o segundo, sob comando do major João Carlos Verdugo, constituído por dois Esquadrões de Cavalaria a dois pelotões da Escola Prática de Cavalaria e do Regimento de Cavalaria 6, e do Regimento de Lanceiros 2 e Quartel de Cavalaria de Santa Margarida); que ouviram uma alocução do comandante do RC3, coronel Eduardo Marinheiro e mensagens do chefe de Estado Maior do Exército, general José Pinto Ramalho e do general comandante da Instrução e Doutrina (Évora) de que depende hierarquicamente o RC3. Ao lado da tribuna, empunhados por antigos combatentes da Guerra do Ultramar (ou Colonial), encontravam- se os guiões do Batalhão Cavalaria 627 e BatCav 8321, mobilizados pelo RC3 para Angola, respectivamente, em 1964/66 e 1973/74. Em fundo, enquandrando a formatura, o balão de ar quente e uma torre de escalada com slide, ambos das tropas pára-quedistas, que nos dias antecedentes tinham estado “à disposição” da juventude local. O Dia da Unidade do Regimento de Cavalaria 3 evoca a batalha de Fuente de Cantos, ferida a 15 de Setembro de 1810 em que dois esquadrões da Unidade se bateram de tal maneira que o marechal inglês Guilherme Beresford, muito avesso a elogios, mandou exarar na Ordem de Serviço (03Nov): «Raríssimas vezes acontece haver na guerra conduta mais brilhante », frase que deu origem à divisa que o brasão da Unidade ostenta: “Conduta brilhante na guerra”. Porque «o RC3 sempre soube demonstrar a sua capacidade para se transformar e adaptar às novas realidades político estratégicas» fica explicada «tamanha longevidade vivida sempre de forma participativa, activa e destacada sendo útil a Portugal e aos portugueses», disse o comandante da Unidade na sua alocução. O ponto mais significativo da cerimónia foi vivido quando ao Estandarte Nacional da Unidade, foi imposta a insígnia de título de Membro Honorário da Ordem de Avis, condecoração atribuída ao Regimento de Cavalaria 3 pelo Presidente da República em 21 de Maio último. A Ordem Militar de Avis premeia “Altos serviços militares”. O Estandarte Nacional ostenta, agora, as seguintes insígnias: Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, condecoração atribuída ao Batalhão de Cavalaria 2899 – “Ás de Espadas” – por comportamento brilhante em Angola entre 1969/1971; Medalha de Ouro de Serviços Distintos atribuída ao RC3 em 15 de Setembro de 1998, pelo seu “Brilhante e longo historial” e, desde 18 de Setembro de 2000, a Ordem da Liberdade pelos “Serviços relevantes prestados pelo Regimento em defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação do Homem e a causa da Liberdade”. Em 5 de Abril de 1993 a Câmara Municipal de Estremoz agraciou o RC3 com a Medalha de Ouro da Cidade. Durante a cerimónia foram também impostas as condecorações com que militares do Regimento foram agraciados ao longo do ano. Após o desfile das Forças perante a tribuna, a Banda Militar de Évora, sob a batuta do sargentomor Canoa Ribeiro, deliciou os presentes com a interpretação de várias obras do seu repertório. Presididas pelo vice-chefe do Estado Maior do Exército, tenente- general Fialho da Rosa, às cerimónias assistiram, o comandante de Instrução e Doutrina, major-general Vaz Antunes, o director da formação do Comando de Instrução e Doutrina, majorgeneral Cunha Piriquito, o general Martins Barrento, outros oficiais generais, alguns deles com fortes ligações à Unidade, que chegaram a comandar, como, entre outros, o tenentegeneral Carlos Cadavez, director honorário da Arma de Cavalaria; uma representação das Forças Armadas espanholas; entidades civis, nomeadamente a presidente da Assembleia Municipal, Maria Odete Ramalho, o presidente da Câmara de Estremoz, José Alberto Fateixa e a governadora civil do Distrito de Évora, Fernanda Ramos. Do Governo da Nação, assoberbado com a presidência da União Europeia e ocupado com a abertura do ano lectivo e distribuição de computadores a docentes e alunos, ninguém teve disponibilidades de agenda para se deslocar a Estremoz... na manhã dessa sexta-feira. Um almoço convívio no magnífico claustro do Convento de S. Francisco – quartel do RC3 – encerrou duas semanas de actividades comemorativas dos 300 anos do Regimento de Cavalaria 3.
CONDECORAÇÕES
Sargento ajudante Infantaria, Guilherme Ganhão Guerra – Mérito militar de 4ª classe. Com a Medalha D. Afonso Henriques: Tenente coronel Cavalaria, Paulo Faro Geada e Major SGE (Reserva Activa), José Lopes Ferreira – 2ª classe; Major Cav. Luís Mourato Gonçalves – 3ª classe; Sarg. mor Cav. – Angelino Gato Cabacinho – 4ª classe; Medalha de Comportamento Exemplar: Sargento ajudante Cav. José Espada Batalha e 1ºs sargentos, de Cav. Inácio Pitadas Borracha e de Infantaria Sérgio Vasques Nunes – Prata; Tenente Cav. Samuel Pereira Gomes, 1º sargento Cav. Nuno Pestana Ticas, cabo adjunto José António Matias, 1º cabo Ricardo Esberard Silva e 2º cabo Carlos Santos Pimentão – Cobre.

DOS ANTIGOS TERÇOS AO RC
A origem do Regimento de Cavalaria 3 está na reorganização do Exército promovida por D. João V em 1707 quando a unidade administrativa militar passa à designação de Regimento em substituição do até então Terço. Nesse ano, na Praça de Olivença é criado um Regimento de Cavalaria Ligeira. Em 1742, o então R.C. de Olivença é extinto e passa a designar-se de Regimento Dragões de Olivença. Em Maio de 1801 a Espanha ocupa Olivença (e Juromenha) e o regimento retira-se para Torres Novas. Passa a desigar-se Regimento de Cavalaria Nº 3. Esteve aquarteldo em Moura, em Beja. Participou activa e heroicamente na Guerra Peninsular (Fuente de Cantos, Talavera la Real, Albuera, Almendralejo...). Em 1814 está aquartelado em Elvas. Por ter aderido à Causa Miguelista é extinto pelos Liberais passando a sua denominação para o RC10 (Castelo Branco). Após várias localizações e denominações em 5 de Abril de 1875 instala-se definitivamente em Estremoz. Na 1ª Grande Guerra 1914/18 o RC3 mobiliza forças para Angola e Moçambique. Em 1959 o Esquadrão de Reconhecimento nº 1 “Dragões de Olivença” parte para a Índia. Durante a Guerra do Ultramar 1961/1975 (Angola, Moçambique, Guiné) o RC3 formou dois Esquadrões de Reconhecimento, 17 Companhias independentes e 42 Batalhões, num total de cerca 42 mil homens. Forças do Regimento tomaram parte activa no “25 de Abril de 74” e em “25 de Novembro de 75”. Forças da Unidade estiveram em missão de paz no Kosovo (Erec/BAI - Esquadrão de Reconhecimento da Brigada Aérea Independente). O RC3 é herdeiro da história, património e tradições dos Regimentos de Cavalaria nºs 10, 5, 8 Regimento de Lanceiros 1, as duas últimas unidades extintas em Abril de 1975. Em 1 de Abril de 1975 passou designar-se Regimento de Cavalaria de Estremoz. Em 1993 recupera a sua mais antiga denominação: Regimento de Cavalaria Nº 3.

in Brados do Alentejo