terça-feira, 25 de setembro de 2007

A Maledicência



Maledicência
18:44 Quarta-feira, 12 de Set de 2007- Jornal Expresso



Desde o tempo dos Gregos e dos Romanos, existiu sempre a maledicência - acto de dizer mal - que em muitas situações é muito salutar, até porque faz repensar actos incorrectos praticados ou até desvios de trajectória péviamente definidas - claro que desde que não se entre pela baixeza, por actos pessoais, que muitos ainda gostam de usar - e até serve a todos e individualamente como uma certa catarse.
Trata-se de algo fácil de fazer, por vezes até demasiado facilitado, mas desde que dentro dos tais limites adequados, trata-se de algo, como todos sentimos, cada vez mais necessário. E como não é só hoje que existe uma certa cultura de maledicência, dado sempre ter existido. Quem não gosta de criticar o seu vizinho do lado, por deixar sempre a porta aberta, por estacionar mal a viatura, por falar alto nos corredores? quem não gosta de criticar o chefe pela forma agressiva como muitas vezes se dirige ao subordinado, por muitas vezes não querer aceitar opiniões, só a sua valer? e por aí adiante, se bem que em regimes ditatoriais, a maledicência seja muitíssimo limitada, e com o risco de atentado à própria sobrevivência de quem se atreve a fazê-lo.
Em democracia e dentros de limites aceitáveis, dizer mal, trata-se de algo inerente ao próprio sistema, e que contrabalança certas tendências, porventura menos convenientes ou piores aceites, por quem em determinada altura tem mais poder. Sendo que, com a salutar rotatividade de quem vai detendo o dito poder, a maledicência faz também essa rotatividade, dado que como é evidente, por norma diz-se mal de quem está mais acima, de quem tem mais poder, de quem tem mais visilbilidade e não o inverso, sendo evidente que muito raramente, quem quer que seja, gosta que digam mal dos seus actos, das suas frases, dos seus raciocínios, é humano que assim seja.
Os menos jovens, ainda nos lembramos, que antes do 25 de Abril de 1974, havia a censura aberta e declarada, com a figura do censor, de lápis vermelho, que a nível de imprensa escrita cortava todas as notícias que dissessem mal do regime instituído, e que muitas vezes nem percebendo bem o que faziam deixava passar notícias que deveriam ser cortadas, e outras eram sem motivo sancionadas, e a nivel de rádio e televisão a norma era exactamente a mesma. Supõe-se que isso são tempos idos, numa altura, em que muitos, não só no nosso país, mas também pelo mundo foram, falam em democracia musculada, que não será de modo algum ditadura, mas que imporá lentamente alguma regras de conduta a situações abertas de mal dizer, o que será sempre negativo.
Sabemos que a liberdade, por vezes já vai sendo uma pouco "diminuída", quer porque se tem receio - e muitas vezes justificado - de ataques que possam colocar em causa a sobrevivência de todos nós, como já aconteceu nos EUA, no Reino Unido e em Espanha, o que implicitamente faz com que sejamos necessáriamente todos mais vigiados, mais controlados, quer com camaras de vigilância à descrição, como é o caso de Londres, quer com escutas telefónicas, por vezes demasiado abrangentes, mas isto pode ser considerado até como fruto da globalização da própria sociedadade da informação e do conhecimento.
Quanto à maledicência quase diária, e que existe em todos os países civilizados da Europa e não só, desde que não exagerada é mais que necessária, sendo evidente que quem o faz, deve estar sempre bem fundamentado, e deve ter sempre hipotese, se necessário de poder provar tudo o que critica, porque dizer mal só por belo prazer, nem pensar, porque trata-se não de liberdade de pensamento e de expressão, mas de falta de bom senso. Assim, temos qe assumir, que este dizer mal, que por vezes a tantos ofende, já vem de trás, tem milhares de anos, e se não nos colocarem uma mordaça, ou em situações de total desconforto, e dentro dos tais limites de bom senso e de respeito, deverá continuar a existir, e ninguém se pode ofender por tal acontecer, como já referido estamos a falar de assuntos não de caracter pessoal, não intímos, que só aos próprios e suas famílias dirá respeito, como p.e. o caso de Bill Clinton e da sua estagíária, que em nada afectou o seu bom desempenho como presidente americano, veja-se o que hoje faz no governo do actual mais influente país do mundo de tão desastroso Bush, e supostamente não tem estagiárias, com que se comporte de forma que a opinião pública assuma de incorrecta, sendo que o que interessa é que a pessoa exerça devidamente o seu cargo, evidentemente com correcção e sem depravação, e isso foi o que soube bem fazer Clinton.
Pelo que, a maledicência, servindo de catarse, de desabafo, de forma de apontar o que se assume como mal feito ou menos bem feito deve ser algo que sempre tem que existir, não tenhamos quaisquer dúvidas. Poderemos em certas alturas, até referir alguns aspectos de bem dizer, quando os de mal dizer não se sobrepõe áqueles, o que porventura poderá não estar a acontecer neste momento, mas não tenhamos dúvidas, que temos também alguns motivos para bem dizer, se bem que prevalecem os outros. Pelo que, dentro das regras de boa conduta, de respeito interpessoal, temos que ter sempre o direito, fundamentado, de mal dizer, de discordar, de opinar, dado que muitas vezes críticas, essencialmente construtivas, são necessárias, e até ajudam a quem está muito obcecado com determinado percurso, que não consegue vislumbrar outro, que até pode ser melhor causando menos danos colaterais.
Esperemos, poder continuar a usar a maledicência, como forma de sabermos qual a diferença de viver em democracia ou em ditadura, até de certa forma como um acto de de cidadania, de nos interessarmos pelo que nos afecta directa ou indirectamente, como meio de dar sugestões, porque ao dizermos mal de algo, temos ou devemos sugerir uma alternativa, se não entramos única e simplesmente num jogo disparatado e desnecessário de palavras ocas e sem sentido.

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