quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Recordar uma das vozes da resistência




CD/DVD lançado por ocasião dos 25 anos da morte de Adriano Correia de Oliveira
Tinha apenas 40 anos quando morreu mas deixou uma obra marcante ao nível da música de intervenção. Adriano Correia de Oliveira era dono de uma voz poderosa e acreditava que as palavras são armas. Um CD de tributo apresenta, agora, versões da sua obra por 14 vozes da nova geração de músicos portugueses. O DVD que o acompanha dá voz aos que com ele conviveram.


Isabel Marques da Silva

Jornalista

Primeiro com fado de Coimbra, depois com baladas de amor e trovas de intervenção política, Adriano Correia de Oliveira tornou-se uma das vozes mais marcantes dos anos 60 e 70. Morreu com apenas 40 anos, a 16 de Outubro de 1982, mas deixou uma obra que anda de mãos dadas com a história da resistência ao regime fascista. "Trova do vento que passa", hino do movimento estudantil, é um passaporte para um tempo em que as palavras ganhavam asas e cujos ecos ainda hoje se fazem sentir."Pode dizer-se que algumas peças musicais fazem o retrato de um certo Portugal social, mas não ficaram presas no tempo. "Trova do vento que passa" é intemporal e universal. Dizer "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não" é um código de ética e de comportamento válido em qualquer país ou qualquer época", disse à SIC Henrique Amaro, locutor de rádio e director artístico do projecto.Contudo, há uma geração mais nova que tem pouco contacto com este legado, embora possa conhecer nomes contemporâneos de Adriano que ainda hoje estão activos, tais como Sérgio Godinho, José Mário Branco ou Fausto. O CD/DVD "Adriano Aqui e Agora. O tributo", hoje lançado pela Movieplay, pretende fazer essa pedagogia, mas abrir também portas para que jovens músicos passem a ser conhecidos de uma geração mais velha."Nunca quisemos declacar a obra de Adriano, mas fazer uma ponte. O objectivo do disco só será alcançado em toda a plenitude se houver uma nova geração que ao ouvir estas versões se sinta interessada em ir em busca do original. Por outro lado, há uma geração mais velha que conhece muito bem o Adriano e que por causa deste disco de versões terá contacto com novas vozes", explicou Henrique Amaro. Diversos registos e experiênciasTim, Ana Deus e os Dead Combo, Raquel Tavares, Cindy Cat, Celina de Piedade, Micro Audio Waves, Shahryar Mazgani, Vicente da Palma, Miguel Guedes, Margarida Pinto, Nuno Prata, Sebastião Antunes, Valete e Pedro Laginha foi o casting escolhido para o projecto."Queria ter vozes diversas, com registos que vão do tradicional à electrónica. Mas tive também a preocupação de as balizas temporais incluírem a geração de pessoas como o Tim, cuja banda Xutos e Pontapés tinha três ou quatros de actividade quando o Adriano morreu; até ao Vicente Palma, filho do Jorge Palma, que gravou pela primeira vez em estúdio ao participar no projecto", afirma Henrique Amaro. Cada um dos artistas teve liberdade para escolher o tema que queria interpretar e quase todos ouviram na íntegra os discos de Adriano para seleccionar a canção com que mais se identificavam. Um exercício que serviu para melhor compreender a importância musical, política e histórica do canta-autor."Era uma referência muito grande na época e eu ouvia-o, pelo que não consegui desligar-me disso e fazer algo completamente novo. Mas seja qual for o arranjo, o que dá alma a um tema é a mensagem", disse Tim, que canta "Tejo que levas as águas"."Acredito que a música muda a vida das pessoas", é a convicção de Vicente Palma, que interpretou "Para Rosalía". "A interpretação de Adriano Correia de Oliveira tem sempre uma carga dramática muito forte. Ele faz parte de uma herança cultural muito importante que por vezes é pouco conhecida", admite Margarida Pinto, que cantou "Charamba"."O arranjo original já era muito à frente. Tinha harmonias e esquemas rítmicos arrojados", avalia Celina da Piedade, que escolheu "Tu e eu meu amor".""Sou barco" é o tema que poderia ter feito a ponte para um Adriano menos standard do que aquele que conhecemos, mas ele morreu apenas com 40 anos", refere Miguel Guedes.
DVD com depoimentos
Estes e outros depoimentos estão contidos no DVD que acompanha o CD. Na primeira parte do documentário, com o título "O Homem", foi montada uma sequência de fotografias de Adriano Correia de Oliveira para intercalar depoimentos de quem o conheceu."Acima de tudo era uma pessoa fraterna e sempre preocupada com os outros", recorda a filha, Isabel Correia de Oliveira."Dava-se com toda a gente do cinema e do teatro, com poetas e jornalistas. Gostava de ir à noite para os bares falar com eles. Tinha uma grande alegria de viver e criava muitos amigos. Tinha também grande capacidade de comunicação com o público", refere o compositor José Niza."Eram espectáculos camuflados, com mensagem de esquerda e revolucionária, mas tínhamos de dourar a pílula para que a censura deixasse", recorda o músico Rui Pato."Foi o primeiro que cantou versos proibidos. Penso que ele foi o mais corajoso de todos. Antes de qualquer outro cantou canções que punham claramente em causa o regime, que falavam de liberdade e do maior tabu de todos - a guerra colonial", diz o poeta/deputado Manuel Alegre.

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