segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Conselho da Revolução


O Conselho da Revolução foi, de 1975 a 1982, um órgão de soberania, com legitimidade revolucionária e poderes de fiscalização constitucional, mas também ajudou a resolver problemas como o abandono das centrais pelos mecânicos de telefones, escreve a Lusa.
Ao longo de sete anos, todos os assuntos centrais da vida política (e não só) passaram pelas reuniões do CR, constituído por lei de 14 de Março de 1975, na sequência da tentativa de golpe de estado de direita.
O CR era composto pelo Presidente da República, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), chefes militares dos três ramos, o primeiro-ministro (se for militar) e ainda 14 oficiais - oito do Exército, três da Força Aérea e três da Marinha, além dos membros da Junta de Salvação Nacional e Conselho de Estado.
Desde o complicado processo de descolonização de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé, passando pelo «Caso República» e por todas as crises políticas, golpes e contra-golpes, tudo foi discutido por um órgão concebido como órgão supremo da revolução.
Uma das primeiras decisões foi a nacionalização da banca, dos seguros, das empresas de transportes, mas pelo Conselho da Revolução e pela leitura das suas actas pode saber-se que a 10 de Abril de 1975 aprovou o salário mínimo de 4.000 escudos (20 euros) e 15 dias de férias pagas para os trabalhadores.
A 30 de Março de 1975, no regresso de uma visita à URSS, o ministro do Trabalho, Costa Martins, relatou «a opinião expressa pela União Soviética de que Portugal se deveria manter a todo o custo na NATO».
A 24 de Abril, é a vez do Presidente da República afirmar ao conselho que o secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, «estava obcecado com o perigo comunista ou neutralista da revolução portuguesa».
O mesmo Costa Gomes que, a 2 Julho, relatava a estranheza expressa por um dirigente da URSS que «não compreendia muito bem a exibição de fitas pornográficas em cinemas portugueses».
Próprias de um país em revolução foram as preocupações a 21 de Maio com «a situação das reivindicações irrealistas dos mecânicos de telefones, que originou o abandono das centrais telefónicas durante a noite».
A solução, segundo a acta, foi Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, requisitar técnicos para permanecerem centrais durante a noite.
Dramática foi a decisão, em 1978, do general Ramalho Eanes, já Presidente da República, depois de informar os conselheiros de rumores sobre planos de um atentado contra as personalidades que assistissem ao desfile do 25 de Abril. E que não passaram disso mesmo - rumores.
Eanes propunha-se deixar assinados dois decretos: «Um para o caso de ser a sua pessoa vítima do atentado, nomeando o almirante Souto Cruz CEMGFA; outro, para o caso ser também vitimada a pessoa de Souto Cruz, nomeando CEMGFA o general Lemos Pires».
As actas, assim como outra documentação do CR, está depositada na Torre do Tombo desde 1982 e a revelação de parte das actas foi feita, em 1995, entre outros, pelo semanário «Tal e Qual».
O que foi o Copcon?
COPCON - Comando Operacional do Continente, estrutura de comando militar para Portugal continental (enquadrado no Estado-Maior General das Forças Armadas) criada pelo MFA no período que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974 e extinta após o 25 de Novembro de 1975. Na prática coincidiu também com o comando da Região Militar de Lisboa.
O CASO «REPÚBLICA»(Comunicado do COPCON -18/6/75)Recebeu este comando um comunicado assinado por sete jornalistas da Redacção do «República», que, pelo seu conteúdo demagógico e difamatório, nos merece as seguintes considerações:1 - Está redigido numa linguagem nitidamente direitista, custando a crer ter sido escrita por elementos que se dizem socialistas e que estão com a Revolução.Dirigem-se com mágoa (!) aos militares do Copcon, assumindo demagogicamente o papel de vítimas.2 - Os comunicados de um órgão revolucionário como o Copcon, pela sua límpida verdade, nada têm de comum com os comunicados oficiais do antigo regime. Sugerir uma identificação entre uns e outros é caluniar o braço armado do M. F. A., decidida e reconhecidamente comprometido perante as massas populares na vanguarda do processo revolucionário em curso.3 - O comunicado dos jornalistas do «República» é uma forma da liberdade de expressão só possível após o 25 de Abril, embora seja um deliberado ataque a um órgão revolucionário, que, mais pelos seus actos do que pelas suas palavras, quotidianamente tem vindo a demonstrar, inequivocamente, de que lado se encontra.4 - Ao exprimirem-se em identificação com o povo português, estão os jornalistas do «República» a utilizar abusivamente algo que não lhes pertence. Falam, sim, em nome de uma minoria de trabalhadores de uma empresa que quer, a todo o custo, defender os seus interesses burgueses de classe que os opõe aos interesses da classe operária - historicamente a mais explorada.5 - O oficial delegado do COPCON presente no «República» garantiu o cumprimento das decisões do Conselho da Revolução e da Lei de Imprensa, tendo sido a administração quem repudiou aquela garantia. Quanto ao sr. Belo Marques, podemos afirmar que o mesmo acordara com a administração a sua demissão após um período de licença, a iniciar em 19 de Maio, o que não se chegou a efectivar.6 - O COPCON não fez o papel de Pilatos, antes pelo contrário enviou para o local dois oficiais seus delegados com a missão de garantir o direito ao trabalho e o cumprimento do que fora estabelecido.7 - Os inimigos da liberdade de expressão são aqueles que não respeitam a opinião pública, deturpando ou seleccionando a Informação de acordo com os seus interesses partidários que põem acima dos interesses das classes trabalhadoras.8 - A luta dos trabalhadores do «República» é uma luta desencadeada por aqueles que estão interessados em evitar que um jornal tradicionalmente antifascista e independente se vincule cada vez mais a uma linha partidária. Quem conheça esta luta por dentro constata facilmente que não há assaltos ao «República» por parte de partidos contrários ao que define a orientação do jornal. Aliás, os próprios trabalhadores afirmaram na altura, que não teriam qualquer problema se no cabeçalho do jornal fosse impressa a indicação de ser o mesmo um órgão partidário.9 - informados pelo COPCON de que a desselagem das portas do «República», por despacho do comandante-adjunto sobre requerimento apresentado pelos interessados, só poderia vir a ter lugar no dia 16 a administração, direcção e redacção do «República» «reclamavam» que a reabertura se fizesse mediante certas condições. O COPCON considerou que não aceitaria condições que fossem diferentes das já anteriormente combinadas e que o documento apresentado não obrigava, de forma alguma, a uma resposta por escrito, tendo esta sido dada verbalmente pelo oficial delegado.10 - O COPCON chamou a si a responsabilidade da resolução de um problema que se encontrava num impasse, procurando obter a todo o transe uma solução justa e exequível. Acresce que o COPCON percebe perfeitamente tudo o que se passa e assim tem de acontecer para formas de actuação justas, sendo raras as ocasiões em que nos têm restado margens para dúvidas.11 - No comunicado fala-se em «trabalhadores dissidentes», pretendendo apresentá-los como uma minoria, quando no estudo cuidado do conflito nos aparecem os «dissidentes» como a totalidade da empresa e que constituem a esmagadora maioria.12 - No dia 12, o sr. Belo Marques não apareceu sequer à abertura do jornal, pois entraria de férias, regressando-se à situação que vigorava em 18 de Maio, conforme o que fora estipulado com o Conselho da Revolução.13 - A administração, que se havia comprometido, perante o Conselho da Revolução, ao pagamento dos 10 dias de salário (de 20 a 30 de Maio) aos trabalhadores, recusou-se na data da abertura a tal pagamento, remetendo o assunto «para o que as leis em vigor determinarem», contrariando flagrantemente o compromisso anteriormente assumido.14 - Ao referir que requereu ao COPCON a não desselagem, a administração falseia a verdade, pois o que aconteceu foi ter entregue neste comando um documento inaceitável em que «não autorizava a reabertura das instalações», isto duas horas depois de o jornal ter sido desselado com o conhecimento da administração.15 - O COPCON considera muito estranho o facto de no fim do seu comunicado, os jornalistas do «República» invocarem a sua disposição de contribuir de forma decisiva para o cumprimento da legalidade revolucionária, quando ao longo de todo o texto não terem feito outra coisa senão mencionar o cumprimento da Lei de Imprensa, já considerada largamente ultrapassada pelos órgãos mais responsáveis, a que o COPCON se junta em uníssono, e o cumprimento das leis vigentes para o pagamento dos 10 dias de trabalho. Falar em legalidade revolucionária (que o COPCON não utilizou, note-se, no caso «República») é demasiado arriscado e grotesco para um órgão como este, cuja extraordinária implantação junto das massas populares deriva disso mesmo.16 - O respeito pela opinião pública não se consegue passando-lhe gato por lebre, isto é, servindo-lhe como jornal independente um órgão de Imprensa descaradamente partidário. 17 - Mais por actos do que por palavras, o COPCON tem vindo a demonstrar, ao longo do processo, o intenso desejo de participar na construção de uma sociedade socialista não totalitária em Portugal.18 - Quanto ao panfleto que circulou com o título «A República foi assaltada», duvidamos que tivesse sido realmente obra dos jornalistas do «República», pois o tom panfletário e ofensivo em que e escrito é de tal ordem que não nos merece resposta.
Os Oficiais de Abril
LOPES PIRES: Nuno Manuel Guimarães Fisher Lopes Pires, nascido em Santarém no ano de 1936, oficial de engenharia, foi um dos membros da equipa que, na Pontinha, comandou o movimento insurreccional. Era o militar do Exército de maior patente entre os presentes: tenente-coronel. Durante o processo revolucionário de 1974/75 chegaria a ser graduado em General.
SANCHES OSÓRIO: José Eduardo Fernandes de Sanches Osório nasceu em Lisboa a 2 de Dezembro de 1940 e foi participante muito activo na Revolução. Integrou o grupo de seis oficiais do MFA que ocupou o posto de comando na Pontinha, sendo major à data. Formado em Engenharia Militar foi posteriormente director-geral da Informação e Ministro da Comunicação Social.
OTELO SARAIVA DE CARVALHO: Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, major, nasceu em Lourenço Marques (Maputo) a 31de Agosto de 1936, foi autor do plano operacional e, a partir do Regimento de Engenharia da Pontinha, dirigiu a ofensiva que derrubou o regime fascista. Nas palavras de Eduardo Lourenço, Otelo será aquele que passará à história como o herói epónimo dessa Revolução incruenta.
GARCIA dos SANTOS: Amadeu Garcia dos Santos nasceu em Lisboa em 1936, major, constituiu com Otelo os cérebros operacionais da revolta. A partir de 24 de Abril de 1974 integrou o posto de comando do MFA. Era professor catedrático da Academia Militar e desempenhou o cargo de Secretário de Estado das obras públicas do I Governo Provisório de Vasco Gonçalves.
VÍTOR CRESPO: Vítor Manuel Trigueiros Crespo é natural de Porto de Mós onde nasceu em 1932. Prestigioso comandante da Armada, foi o único dos que comandavam na Pontinha que não integrava o posto de comando. A Armada encontrava-se bem representada neste ponto-chave. Foi alto-comissário em Moçambique até à descolonização, Ministro da Cooperação e membro do Conselho da Revolução.
SALGUEIRO MAIA: Fernando Salgueiro Maia foi, talvez o oficial mais em foco no dia 25 de Abril de 1974 invadindo Lisboa com a sua coluna da Escola Prática de Cavalaria, ocupando o Terreiro do Paço e cercando o quartel-general da GNR no Largo do Carmo onde se havia refugiado Marcello Caetano. Homem de grande coragem e sem ambição pessoal, havia de ser punido pela sua heroicidade.
MELO ANTUNES: Ernesto Augusto Melo Antunes nasceu em Lagoa em 1933, major culto, idealista, foi considerado ideólogo do MFA e o principal autor do documento O Movimento das Forças Armadas e a Nação e do programa do MFA. Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros durante os Governos Provisórios e o primeiro subscritor do Documento dos Nove no Verão quente de 1975.
EURICO CORVADO: Nascido em Moncorvo foi, aos 35 anos, juntamente com Carlos Azeredo, o homem mais importante na acção das tropas da revolta no Porto e na região Norte do país. Major da Artilharia assumiu o comando das operações do MFA na madrugada de 25 de Abril. Foi ele o primeiro a alertar a população para a existência da contra-revolução.
JOSÉ MANUEL COSTA NEVES: Nasceu nas Caldas da Rainha em Outubro de 1940 e foi um dos grandes vultos do MFA. Foi este engenheiro aeronáutico que comandou os militares que viriam a ocupar o Rádio Clube Português que se transformou numa emissora de comando do MFA. Era a ele que estava destinada a leitura dos comunicados do movimento, mas acabou por não ser necessário pois Joaquim Furtado aderiu rapidamente à Revolução.
JOSÉ INÁCIO COSTA MARTINS: Capitão piloto nascido em Messines, Silves, em 1938, foi crucial no comando das forças que tomaram de assalto o Aeroporto da Portela (Lisboa) e o Aeródromo Base nº1 de Lisboa. António Spínola convidou-o, a 31 de Maio de 1974, a desempenhar as funções de membro do Conselho de Estado, tendo mesmo chegado a Ministro do Trabalho nos Governos seguintes.
CARLOS ALBERTO IDÃES FABIÃO: Alfacinha nascido em 1930, foi um tenente-coronel essencial quer antes quer depois do golpe de Estado de 25 de Abril. Também seguidor do MFA, teve a ousadia de denunciar publicamente, em Dezembro de 1973, uma contra-revolução que estava a ser preparada por quatro generais da ditadura. Isto obrigou-o a transferir-se para Braga, onde permaneceu com residência vigiada.
Dirigiu as forças revolucionárias a partir de Cova de Moura.
Homem culto, exerceu o cargo de comandante-chefe na Guiné e em 1975 foi Chefe do Estado-Maior do Exército. Recebeu convite para integrar o IV Governo Provisório, proposta que recusou.
VASCO CORREIA LOURENÇO: Natural da Lousã, Castelo Branco, onde nasceu a 19 de Junho de 1942, integrou a Comissão Coordenadora do MFA e é figura de destaque do Movimento dos capitães. Foi Governador Militar de Lisboa e Comandante da Região Militar de Lisboa de 1975 a 1978.
Descoberto como um dos conspiradores contra o regime, enfrentou a prisão de 10 a 15 de Março de 1974 na Trafaria, seguindo daí para os Açores onde permanecia quando rebentou a rebelião de 25 de Abril.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

«Não foi para isto que se fez a Revolução»


Trinta e três anos depois da Revolução dos Cravos «Portugal é cada vez menos de Abril», afirma o coronel Vasco Lourenço, presidente e fundador da Associação 25 de Abril, que domingo celebra 25 anos de existência.
«Se outros indícios não existissem, sem necessidade de constatar os inúmeros retrocessos verificados nos últimos anos, basta-nos olhar para a enorme degradação das relações entre o trabalho e o capital, no que se refere à parte dos salários no rendimento social», disse à Agência Lusa.
«Apesar de a riqueza criada por trabalhador ter crescido 41 vezes, entre 1975 e 2004, a parte dos salários no rendimento nacional desceu, no mesmo período, de 59 por cento para 40 por cento», explicou.
Vasco Lourenço, que ainda hoje lamenta o facto de não ter sido ele a comandar as operações militares do 25 de Abril de 1974, por ter sido transferido compulsivamente para os Açores no mês de Março desse ano, acrescenta: «Francamente não foi para isto que se fez o 25 de Abril».
Sem pôr em causa que o fundamental da revolução foi a conquista da liberdade e democracia e que algum desenvolvimento foi conseguido, a actual situação «tem apresentado vários retrocessos nos últimos anos, principalmente porque a maioria dos órgãos de soberania já perderam um pouco a noção do que foi o 25 de Abril», garante.
Desigualdades sociais aumentaram
«As desigualdades sociais aumentaram, os nossos pobres continuam a aumentar, o aumento do fosso entre ricos e pobres e uma classe média cada vez mais castigada», diagnostica Vasco Lourenço.
«Portugal está desequilibrado em termos de justiça social face aos primeiros anos após o 25 de Abril», defende o militar, que denuncia ainda o «isolamento da classe política-partidária face à população, facto que prejudica a Democracia».
Aliás, o militar é da opinião de que os «partidos políticos em Portugal transformaram-se em agências de emprego» e vai mais longe quando afirma que «as Democracias Europeias caminham alegremente para o abismo, face à falta de ligação entre eleitos e eleitores, fenómenos com a xenofobia e a imigração ilegal, a predominância do capital sobre o trabalho».
«Quando isso surgir vai causar concerteza casos de violência extrema, com movimentações radicais de extractos das populações e com os ressurgimentos de líderes autoritários».
Orgulhoso do seu percurso no estabelecimento da Democracia em Portugal e na fundação da A25A, em 21 de Outubro de 1982, o coronel conclui: «Infelizmente, o 25 de Abril não está hoje na agenda política e só aparece para compor o ramalhete».

É altura de desmascarar os mitos da Revolução


2007/04/25 23:38 Judite França

Livro descontrói ideias feitas. E presta homenagem aos militares. Leia a entrevista à autora



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A história da Revolução está ainda recheada de mitos. São os mitos de uma Revolução que vai sendo, aos poucos, «desconstruída» para ser de novo edificada. Maria Inácia Rezola apresentou na véspera do 25 de Abril um livro que pretende «desmascarar» episódios e ideias feitas sobre este período fundamental do século XX português.
Depois de se cumprir Abril, e em entrevista ao PortugalDiário, a historiadora, de 39 anos, espera fazer justiça aos militares, ajudar os professores, tornar acessível a todos o período revolucionário, e levantar dúvidas sobre questões já "resolvidas" no senso comum, mas que, por vezes, não passam de ideias preconcebidas.
Em «Mitos de Uma Revolução», Rezola vai às fontes, compara, reúne documentação e ajuda a fazer a história de um tema ainda tão «apaixonado». E lança um apelo a quem viveu e fez história há mais de 30 anos para «falar, contar e deixar esse legado na História que ainda está em construção».
Os mitos de que fala no livro são factos históricos propalados, mas errados?
Há muitos mitos no senso comum e ideias que estão já resolvidas pela historiografia e que, para o comum cidadão, ainda continuam desconhecidas. O grande exemplo desses mitos é considerar que a Revolução foi uma luta entre civis e militares. Isso está longe de ser verdade.
Refere-se ao dia 25 de Abril ou ao período revolucionário?
No 25 de Abril acontece um golpe de Estado que dá lugar a uma Revolução no próprio dia. Um golpe de Estado sem a participação dos partidos políticos...
É um golpe militar apenas.
Sim, claro. Mas a grande questão que se impõe é «como chegámos à democracia?» Sendo uma história de vencedores e vencidos todos querem ser os protagonistas. Regra geral atribui-se a democracia aos partidos políticos, e até se diz qual o partido e o líder político. Mas a verdade é que os militares são fundamentais em todo este processo: começaram por derrubar uma ditadura de mais de quatro décadas e depois acompanharam todo o desenrolar dos acontecimentos. É evidente que há uma importante intervenção dos partidos políticos e até movimentos sociais, mas é graças aos militares que se alcança a democracia, que é depois institucionalizada na Constituição de 1976.
É um bom manual para os professores?
Acho que sim e esse foi um dos grandes objectivos. O problema dos manuais escolares é que são, obrigatoriamente, sintéticos. E por isso podem ser mal interpretados. Além disso, muitos dos professores que hoje ensinam o 25 de Abril nunca o aprenderam nem na escola nem na universidade. Quando são confrontados com este programa sentem enormes dificuldades em encontrar informação e material didáctico que os auxilie. Não será fácil mudar as «verdades instituídas»...
Claro que não. A história maniqueísta é muito mais simples: há os bons e os maus, há os vencedores e os vencidos. É evidente que ainda não se sabe tudo e a história deste período é muito apaixonada: em alguns casos, os protagonistas não explicam o porquê das suas atitudes e noutros querem reaparecer e reescrever a história, surgindo eles como os protagonistas.
Que fontes consultou e quem entrevistou para elaborar este livro?
O período estudado vai até à tomada de posse do General Ramalho Eanes, que, de facto, encerra o ciclo revolucionário. A Revolução termina com o 25 de Novembro - outro dos grandes mitos -, mas o livro segue até aos últimos passos para a normalização democrática. Fiz uma selecção, que partiu da minha tese de doutoramento sobre o Conselho da Revolução, e procurei encontrar elementos representativos de várias tendências. Uma das fontes é o próprio arquivo do Conselho da Revolução. Depois entrevistei Rosa Coutinho, Martins Guerreiro, Saraiva de Carvalho, Costa Martins, Vasco Lourenço... E tentei falar com muitos outros protagonistas, mas não consegui, como foi o caso de Carlos Fabião ou Pinto Soares. A imprensa da época também é uma valiosa fonte de informação.

Democracia está «pelas ruas da amargura»


O coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, afirmou terça-feira à noite, em Coimbra, que a «democracia participativa está pelas ruas da amargura» e acusou os partidos de estarem transformados em agências de emprego, noticia a Lusa.
Vasco Lourenço, um dos militares da Revolução de Abril, falava no debate subordinado ao tema «Retomar Abril», promovido pela delegação regional da Associação, que reuniu cerca de meia centena de pessoas.
Para o presidente da Associação 25 de Abril, fundada em 1982, «há um défice de democracia participativa extraordinariamente grande», por causa da luta «entre os partidos políticos que querem o monopólio da democracia representativa».
«Numa democracia como a nossa, os partidos são insubstituíveis, é evidente, mas infelizmente democracia não é partidocracia», observou o militar de Abril. «E o que nós temos visto é uma tendência para transformar a democracia em Portugal em partidocracia, com a generalidade dos partidos a transformarem-se em agências de emprego em vez de defensores dos interesses do cidadão», acrescentou.
«Eu sou daqueles que não está seguro de que a liberdade e a democracia uma vez conquistadas estejam absolutamente garantidas», afirmou Vasco Lourenço, referindo que, ao longo da História, «há quem saque a liberdade aos outros para ficar com ela».

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Adriano Correia de Oliveira recordado hoje, nos 25 anos da sua morte


Adriano Correia de Oliveira é hoje recordado em Lisboa, 25 anos depois da sua morte, com um espectáculo onde vários artistas seus contemporâneos recordam as trovas que eternizaram o cantor de intervenção.
Na Sociedade Voz do Operário, em Lisboa, José Fanha, Carlos Paulo e Maria do Céu Guerra vão ler poemas que Adriano Correia de Oliveira cantou e vai ser inaugurada uma exposição sobre o músico e decorrerá um colóquio para debater a vida e obra de Adriano com a participação de Luís Cília, José Barata-Moura, Lopes de Almeida, Paulo Sucena e José Viale Moutinho. No dia 20, no mesmo local, decorrerá o espectáculo "25 anos - 25 canções", que contará com a presença, entre outros, de Amélia Muge, Fausto, Fernando Tordo, Brigada Victor Jara, o padre Francisco Fanhais, Manuel Freire, Janita Salomé, Luís Represas, Pedro Abrunhosa, Paulo Carvalho e um grupo de guitarra e cantares de Coimbra. Serão 25 das mais emblemáticas canções, de um total de cerca de 90, que Adriano Correia de Oliveira cantou e gravou entre 1960 e 1980, entre as quais "Trova do vento que passa", "Balada da esperança", "Menina dos olhos tristes", "Tejo que levas as águas" ou "Canção do linho". Em Setembro saiu o disco tributo "Adriano aqui e agora", com 14 canções renovadas à luz de músicos provenientes do rock, da pop, da electrónica ou do hip hop, como Ana Deus e os Dead Combo, que interpretam "Trova do vento que passa", os Cindy Cat com "E alegre se fez triste" e Margarida Pinto, dos Coldfinger, que canta "Charamba". Vicente Palma, filho de Jorge Palma, estreia-se com "Para Rosalía" e Sharyar Mazgani, dos Mazgani, mostra a sua visão de "Balada da esperança". São 14 novas aproximações à obra daquele que é considerado, a par de José Afonso, uma das vozes maiores do canto de intervenção e da balada. Numa toada mais próxima da música de raiz tradicional, este ano saiu ainda o disco "Cantaremos Adriano", protagonizado por um grupo de sete músicos portugueses de diferentes projectos musicais. No álbum, os sete músicos cantam 12 temas imortalizados por Adriano e os inéditos "Eu Vi Abril" ( Manuel Alegre/Vitor Sarmento) e "As Palavras do meu Canto" (Joaquim Pessoa/Vitor Sarmento). Para desfrutar de todos os temas interpretados pelo próprio Adriano Correia de Oliveira, o jornal Público lança a partir de hoje uma série de sete discos com a obra completa do cantautor, coordenada por José Niza. Esta série revelará os diferentes momentos musicais de Adriano Correia de Oliveira, dos fados de Coimbra à balada e à canção de intervenção. Cada um dos discos sairá acompanhado por um livro que reúne dados biográficos, depoimentos e entrevistas de pessoas que trabalharam e conheceram Adriano Correia de Oliveira. Intervir pela música
O cantautor nasceu no Porto a 9 de Abril de 1942 e morreu a 16 de Outubro de 1982 em Avintes. Foi em Coimbra, para onde rumou para estudar Direito, que se abriram as portas para a intervenção política, social e cultural. Passou pelo Orfeão Académico de Coimbra e editou o primeiro disco, "Noite de Coimbra", em 1960. Já militante do PCP, participou activamente nas lutas académicas de contestação ao regime político, facto que, a par da guerra colonial, da censura e da emigração, passou a ser referido nas músicas que cantava. Antes e depois da revolução de Abril de 1974, Adriano Correia de Oliveira viveu tempos de intensa actividade interventiva no meio musical e cultural, gravando "Trova do vento que passa" ou "O canto e as armas", com versos de Manuel Alegre. Dele se diz que era generoso, corajoso e solidário. Morreu com 40 anos vítima de um acidente vascular esofágico.

CONTRA A POBREZA

Recordar uma das vozes da resistência




CD/DVD lançado por ocasião dos 25 anos da morte de Adriano Correia de Oliveira
Tinha apenas 40 anos quando morreu mas deixou uma obra marcante ao nível da música de intervenção. Adriano Correia de Oliveira era dono de uma voz poderosa e acreditava que as palavras são armas. Um CD de tributo apresenta, agora, versões da sua obra por 14 vozes da nova geração de músicos portugueses. O DVD que o acompanha dá voz aos que com ele conviveram.


Isabel Marques da Silva

Jornalista

Primeiro com fado de Coimbra, depois com baladas de amor e trovas de intervenção política, Adriano Correia de Oliveira tornou-se uma das vozes mais marcantes dos anos 60 e 70. Morreu com apenas 40 anos, a 16 de Outubro de 1982, mas deixou uma obra que anda de mãos dadas com a história da resistência ao regime fascista. "Trova do vento que passa", hino do movimento estudantil, é um passaporte para um tempo em que as palavras ganhavam asas e cujos ecos ainda hoje se fazem sentir."Pode dizer-se que algumas peças musicais fazem o retrato de um certo Portugal social, mas não ficaram presas no tempo. "Trova do vento que passa" é intemporal e universal. Dizer "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não" é um código de ética e de comportamento válido em qualquer país ou qualquer época", disse à SIC Henrique Amaro, locutor de rádio e director artístico do projecto.Contudo, há uma geração mais nova que tem pouco contacto com este legado, embora possa conhecer nomes contemporâneos de Adriano que ainda hoje estão activos, tais como Sérgio Godinho, José Mário Branco ou Fausto. O CD/DVD "Adriano Aqui e Agora. O tributo", hoje lançado pela Movieplay, pretende fazer essa pedagogia, mas abrir também portas para que jovens músicos passem a ser conhecidos de uma geração mais velha."Nunca quisemos declacar a obra de Adriano, mas fazer uma ponte. O objectivo do disco só será alcançado em toda a plenitude se houver uma nova geração que ao ouvir estas versões se sinta interessada em ir em busca do original. Por outro lado, há uma geração mais velha que conhece muito bem o Adriano e que por causa deste disco de versões terá contacto com novas vozes", explicou Henrique Amaro. Diversos registos e experiênciasTim, Ana Deus e os Dead Combo, Raquel Tavares, Cindy Cat, Celina de Piedade, Micro Audio Waves, Shahryar Mazgani, Vicente da Palma, Miguel Guedes, Margarida Pinto, Nuno Prata, Sebastião Antunes, Valete e Pedro Laginha foi o casting escolhido para o projecto."Queria ter vozes diversas, com registos que vão do tradicional à electrónica. Mas tive também a preocupação de as balizas temporais incluírem a geração de pessoas como o Tim, cuja banda Xutos e Pontapés tinha três ou quatros de actividade quando o Adriano morreu; até ao Vicente Palma, filho do Jorge Palma, que gravou pela primeira vez em estúdio ao participar no projecto", afirma Henrique Amaro. Cada um dos artistas teve liberdade para escolher o tema que queria interpretar e quase todos ouviram na íntegra os discos de Adriano para seleccionar a canção com que mais se identificavam. Um exercício que serviu para melhor compreender a importância musical, política e histórica do canta-autor."Era uma referência muito grande na época e eu ouvia-o, pelo que não consegui desligar-me disso e fazer algo completamente novo. Mas seja qual for o arranjo, o que dá alma a um tema é a mensagem", disse Tim, que canta "Tejo que levas as águas"."Acredito que a música muda a vida das pessoas", é a convicção de Vicente Palma, que interpretou "Para Rosalía". "A interpretação de Adriano Correia de Oliveira tem sempre uma carga dramática muito forte. Ele faz parte de uma herança cultural muito importante que por vezes é pouco conhecida", admite Margarida Pinto, que cantou "Charamba"."O arranjo original já era muito à frente. Tinha harmonias e esquemas rítmicos arrojados", avalia Celina da Piedade, que escolheu "Tu e eu meu amor".""Sou barco" é o tema que poderia ter feito a ponte para um Adriano menos standard do que aquele que conhecemos, mas ele morreu apenas com 40 anos", refere Miguel Guedes.
DVD com depoimentos
Estes e outros depoimentos estão contidos no DVD que acompanha o CD. Na primeira parte do documentário, com o título "O Homem", foi montada uma sequência de fotografias de Adriano Correia de Oliveira para intercalar depoimentos de quem o conheceu."Acima de tudo era uma pessoa fraterna e sempre preocupada com os outros", recorda a filha, Isabel Correia de Oliveira."Dava-se com toda a gente do cinema e do teatro, com poetas e jornalistas. Gostava de ir à noite para os bares falar com eles. Tinha uma grande alegria de viver e criava muitos amigos. Tinha também grande capacidade de comunicação com o público", refere o compositor José Niza."Eram espectáculos camuflados, com mensagem de esquerda e revolucionária, mas tínhamos de dourar a pílula para que a censura deixasse", recorda o músico Rui Pato."Foi o primeiro que cantou versos proibidos. Penso que ele foi o mais corajoso de todos. Antes de qualquer outro cantou canções que punham claramente em causa o regime, que falavam de liberdade e do maior tabu de todos - a guerra colonial", diz o poeta/deputado Manuel Alegre.