A desfazer sonhos do 25 de Abril
"Eles querem-nos desterrar para Chinicato, Odiáxere e Bensafrim para fazer uma Copacabana, mas eu nasci índia, cresci índia e quero morrer índia aqui", assegura a avó Isabel do Carmo, 55 anos, que nasceu na Meia Praia, lugar à beira-mar cantado e imortalizado por José Afonso após o 25 de Abril.
A Meia Praia, com cerca de cinco quilómetros de fina e branca areia sem qualquer formação rochosa que se estende desde o Rio de Alvor até Lagos, está na iminência de perder os seus mais ilustres habitantes: os cerca de 300 pescadores e famílias, baptizados de índios por viverem em barracas de junco e colmo.O plano urbanístico da Meia Praia prevê para a próxima década a demolição das casas dos anos 70 (construídas com fundos do estado português) e realojamentos dos pescadores noutros bairros.O objectivo do plano de urbanização é a construção de empreendimentos turísticos de luxo com áreas verdes abertas ao público em geral.Os pescadores avisam, todavia, que não querem sair do lugar que ergueram pelas próprias mãos, carregando tijolos um a um com a ajuda de crianças, mulheres, comunistas e forças armadas.Sem quererem entrar numa guerra à moda dos filmes de cowboys, os índios da Meia Praia lançam duas propostas: ou manter as casas originais (41) e deixar os primitivos ali viverem para sempre ou fazer um novo bairro 25 de Abril, à semelhança do que se fez com a Aldeia da Luz, Alentejo, aquando da construção da Barragem de Alqueva.O presidente da Comissão de Moradores do Bairro 25 de Abril, José Bartolomeu, diz que se a opção for uma espécie de memorial só para os pescadores mais velhos, a tendência da aldeia é morrer e que isso também não é a melhor opção."Com o tempo isto apaga-se tudo, desaparece, mas eu acho que o bairro é demasiado histórico para morrer", conta Bartolomeu.No Café da Larita, lugar onde os pescadores se reúnem para falar da vida, o sogro de José Bartolomeu, o pescador Fernando Romão, com 63 anos e estrela de cinema nos dois filmes realizados em Portugal sobre os índios da Meia Praia, conta à Lusa que tudo começou com seis ou sete famílias em 1952.A morar na Travessa da Liberdade, da Aldeia da Meia Praia e a fainar quando o mar o permite no "Epopeia do Mar", de 9,60 metros de comprimento, Fernando Romão foi um dos primeiros a chegar à Meia Praia.Viajou de Montegordo até Tavira de automotora, de Tavira para Olhão a pé e ficando a dormir onde "lhe jogavam caridade" e depois de Olhão a Lagos de novo de automotora", desembarcando em Junho: "ainda vim fazer os meus nove anos na Meia Praia", recorda "Isto é uma família pegada", diz, levantando os olhos para o céu e imaginando a migração nos anos 50 para Lagos em busca de melhor vida e mais peixe no mar.Até hoje, os primitivos, filhos, netos e até bisnetos da Aldeia da Meia Praia têm por ali feito a faina e a vida. Entre o mar e a linha de comboio, a população ultrapassou vários regimes e governos. O futuro? Acreditam que passa por se manterem unidos.
A Meia Praia, com cerca de cinco quilómetros de fina e branca areia sem qualquer formação rochosa que se estende desde o Rio de Alvor até Lagos, está na iminência de perder os seus mais ilustres habitantes: os cerca de 300 pescadores e famílias, baptizados de índios por viverem em barracas de junco e colmo.O plano urbanístico da Meia Praia prevê para a próxima década a demolição das casas dos anos 70 (construídas com fundos do estado português) e realojamentos dos pescadores noutros bairros.O objectivo do plano de urbanização é a construção de empreendimentos turísticos de luxo com áreas verdes abertas ao público em geral.Os pescadores avisam, todavia, que não querem sair do lugar que ergueram pelas próprias mãos, carregando tijolos um a um com a ajuda de crianças, mulheres, comunistas e forças armadas.Sem quererem entrar numa guerra à moda dos filmes de cowboys, os índios da Meia Praia lançam duas propostas: ou manter as casas originais (41) e deixar os primitivos ali viverem para sempre ou fazer um novo bairro 25 de Abril, à semelhança do que se fez com a Aldeia da Luz, Alentejo, aquando da construção da Barragem de Alqueva.O presidente da Comissão de Moradores do Bairro 25 de Abril, José Bartolomeu, diz que se a opção for uma espécie de memorial só para os pescadores mais velhos, a tendência da aldeia é morrer e que isso também não é a melhor opção."Com o tempo isto apaga-se tudo, desaparece, mas eu acho que o bairro é demasiado histórico para morrer", conta Bartolomeu.No Café da Larita, lugar onde os pescadores se reúnem para falar da vida, o sogro de José Bartolomeu, o pescador Fernando Romão, com 63 anos e estrela de cinema nos dois filmes realizados em Portugal sobre os índios da Meia Praia, conta à Lusa que tudo começou com seis ou sete famílias em 1952.A morar na Travessa da Liberdade, da Aldeia da Meia Praia e a fainar quando o mar o permite no "Epopeia do Mar", de 9,60 metros de comprimento, Fernando Romão foi um dos primeiros a chegar à Meia Praia.Viajou de Montegordo até Tavira de automotora, de Tavira para Olhão a pé e ficando a dormir onde "lhe jogavam caridade" e depois de Olhão a Lagos de novo de automotora", desembarcando em Junho: "ainda vim fazer os meus nove anos na Meia Praia", recorda "Isto é uma família pegada", diz, levantando os olhos para o céu e imaginando a migração nos anos 50 para Lagos em busca de melhor vida e mais peixe no mar.Até hoje, os primitivos, filhos, netos e até bisnetos da Aldeia da Meia Praia têm por ali feito a faina e a vida. Entre o mar e a linha de comboio, a população ultrapassou vários regimes e governos. O futuro? Acreditam que passa por se manterem unidos.
26 de Março de 2007 13:51cecília malheiro, Agência Lusa
"Os Índios da Meia Praia"
de Zeca Afonso
Aldeia da Meia Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço
De Montegordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha à ré
Quando os teus olhos tropeçam
No voo de uma gaivota
Em vez de peixe vê peças de oiro
Caindo na lota
Quem aqui vier morar
Nao traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te nudo
Chupam-te até ao tutano
Levam-te o couro cabeludo
Quem dera que a gente tenha
De Agostinho a valentia
Para alimentar a sanha
De esganar a burguesia
Adeus disse a Montegordo
Nada o prende ao mal passado
Mas nada o prende ao presente
Se só ele é o enganado
Oito mil horas contadas
Laboraram a preceito
Até que veio o primeiro
Documento autenticado
Eram mulheres e crianças
Cada um com o seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
quem diz o contrário é tolo
E se a má língua nao cessa
Eu daqui vivo nao saia
Pois nada apaga a nobreza
Dos indios da Meia-Praia
Foi sempre tua figura
Tubarao de mil aparas
Deixas tudo à dependura
Quando na presa reparas
Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
Mas nao por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história
E o povo saiu à rua
Mandadores de alta finança
Fazem tudo andar para trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz
Eram mulheres e crianças
Cada um com o seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
Que diz o contrario é tolo
E toca de papelada
No vaivém dos ministérios
Mas hao-de fugir aos berros
Inda a banda vai na estrada
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